top of page

Vórtex 

Por Anna Luisa Costa 

 

Cabe refletir sobre o especial estatuto de singularidade que define o vórtice: ele é uma forma que se separou do fluxo da água do qual fazia parte, e ainda faz, de algum modo; é uma região autônoma e fechada em si mesma e obedece a leis que lhe são próprias; contudo, está estreitamente ligada à totalidade em que está imersa, é feita da mesma matéria, que troca continuamente com a massa líquida que a cerca. 

(AGAMBEN, Giorgio. O fogo e o relato. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 84.

 

O  vórtex é um fenômeno que surge devido à diferença de pressão entre duas regiões vizinhas, gerando um padrão circular ou espiral. A trajetória da artista carioca Lyz Parayzo parece traçar um paralelo a esse redemoinho. De um lado das forças, Lyz inicia sua carreira como escultora  diretamente inspirada pelo movimento neoconcreto brasileiro e por artistas como Lygia Clark e Waldemar Cordeiro. Anos depois, realizando seu Mestrado na École de Beaux-Arts de Paris, uma outra força manifesta-se, e seu contato com os trabalhos dos artistas do grupo francês Grav (Groupe de Recherche d'Art Visuel), introduz na artista o desejo de trabalhar com arte cinética.


   Por mais que seja constituído de forças opostas, o desenho do vortex cria áreas comuns entre as linhas de seu contorno, que finalmente convergem para um único ponto central onde não sabemos se é de onde ele surge, ou para onde ele se endereça. No trabalho de Lyz Parayzo, esse ponto central é a inevitável implicação de sua subjetividade como mulher trans, indissociável de sua obra. O retrato de sua existência se converte formalmente em suas esculturas através das formas e do material de sua obra, numa imposição que tenciona quem  entra em contato com ela.
 

    Lyz Parayzo é escultora e também realiza trabalhos em joalheria e audiovisual. “Vórtex” apresenta 7 móbiles em alumínio. Entre os desenhos de seus contornos estão as já tradicionais superfícies serradas da artista, mas também barbatanas de tubarão, espinhos e coroas. São formas afiadas que não se limitam a apenas simular a possibilidade do corte, mas, pela realidade do material escolhido, efetivamente cortam. A sensação de perigo e a necessidade de atenção é um estado constante para os corpos trans num mundo dominado pela lógica cis-heteronormativa, e é esse ambiente que a artista deseja que seu público entre em contato. A exposição conta ainda com a exibição do filme “Cavalo de Tróia” que traz uma contextualização das diversas camadas que representam o trabalho da artista ao mesmo tempo que levanta provocações políticas sobre as dificuldades enfrentadas pelas pessoas trans no Brasil, principalmente as que desejam adentrar no mundo da arte.

 

    Lyz Parayzo não se limita a exibir suas obras, mas se interessa em criar um ambiente imersivo que contextualiza a intenção de seu trabalho através do diálogo com a arquitetura. A violência dos esguios móbiles afiados vai de encontro à iluminação rosa que inunda o ambiente criando uma atmosfera que, paradoxalmente ativa um estado de alerta, ao mesmo tempo que desperta a curiosidade e o desejo.


A exposição no Centro Cultural do Alumínio marca o amadurecimento da  pesquisa da artista com o material alumínio. Em seus primeiros trabalhos, as “Bixinhas” apresentavam-se estáticas ao espectador, que era convidado a realizar seu movimento por meio do perigoso manuseio de suas pontas afiadas. Agora, Lyz apropria-se do movimento em espiral e amplia sua escala, inundando o ambiente arquitetônico com seus móbiles cortantes, forçando o visitante a integrar esse turbilhão, ativando seu corpo numa sinuosa coreografia, tão sedutora quanto perigosa.

bottom of page